[Do] ser canhoto
Nos aviões, quando as viagens são longas - as intercontinentais, vizinhando as oito, dez ou mais horas - , excluindo as horas da noite - em regra a maior parte do percurso -, quando se dorme ou sofre de insónia enquanto se finge dormir, em particular à hora das refeições, é tempo de conversarem os parceiros dos lugares lado a lado. Numa dessas ocasiões, calhou-me uma francesa que, por coincidência era minha conhecida - íamos para a mesma reunião em Kuala Lumpur, ela vinda de Paris, eu de Lisboa, coincidimos, algo espantados, à partida de Amesterdão. Conversa facilitada…
Ela lia - numa das revistas que escolheu para a acompanharem na viagem - um artigo sobre um esgrimista francês da missão olímpica de Atenas: um canhoto. Um canhoto, mas os canhotos podem fazer esgrima? - experguntou (se não foi assim que surgiu o tema dos canhotos na esgrima, terá sido de outra maneira; o que interessa focar aqui é a questão da estranheza que foi de forma abrupta lançada para conversa).
Não sei bem como naquele momento se acedia desde fora até mim, que sou canhoto e fui esgrimista assíduo - e sê-lo era quase já não diria uma segunda mas a minha própria natureza! -, ao exresponder com toda a carga do óbvio e de outras coisas mais, mas o certo é a minha interlocutora se ter retractado de imediato, quase afirmando-se pateta, e eu, no retorno, a ver se a desafogava… Mais abaixo os Urais iam vogando para Ocidente, mas já nada se via, tão escura ia a noite. E lá se foi preenchendo a minha insónia subsequente até ao amanhecer - já o avião sobrevoava o estreito de Malaca - com esta do ser canhoto. Foi a questão do quando aprendi a escrever na escola primária - uma escola não Oficial, como se dizia -, onde as reguadas da professora domesticaram os meus instintos esquerdinos, sendo eu obrigado a adoptar a mão direita para tal arte - agora, com o computador posso actuar como ambidextro; foi a minha zaranzice quando do desenho de letras normalizadas no Instituto Superior Técnico - ora usava uma mão ora a outra -, não me entendi e acabei por reprovar - mais um ano a desenhar letras; foi ainda, na escola secundária (no Colégio Militar) a minha inabilidade nas aulas curriculares de esgrima, dadas em conjunto para a mão direita.
Quanto a este último caso, ao participar no campeonato de florete do Colégio - uma das três armas da esgrima (a da aprendizagem), as outras duas são a espada (a arma dos duelos) e o sabre (a arma da Cavalaria) -, dada a minha desvantagem, resolvi, sem pedir ao “mestre de armas” equipar-me e jogar à canhota, o que me valeu um grande raspanete deste quando se apercebeu da minha ousadia e, com toda a naturalidade, o ter de disputar o campeonato com a mão direita e, por isso, ser castigado por ter nascido com tal anomalia esquerdina.
(Des)Vantagens
Na verdade, a sabedoria corrente diz que, na esgrima, os “direitos” se encontram em desvantagem [injusta (infere-se)] em relação aos “canhotos” ou “esquerdinos”. Apontam-se explicações diversas, desde umas consideradas mais científicas a outras mais especulativas ou, ainda, outras relativas às experiências dos próprios praticantes.
De entre as primeiras, as científicas, destaca-se uma explicação recente que diz não ser necessário para o caso do “canhoto”, ao contrário do que acontece com os “normais”, haver transmissão entre os dois hemisférios cerebrais - tudo ocorreria apenas no hemisfério direito, sendo mais curto de alguns milésimos de segundo o tempo das suas respostas em relação aos “normais”. A mim parece-me especiosa esta explicação: milésimos de segundo que “nada” significam em comparação com outras diferenças. Mais aceitável parece-me a explicação de quem é praticante: Como os canhotos são em menor número, estes estão muito habituados a encontrar os seus adversários habituais, os “direitos”, enquanto os “direitos” quando encontram canhotos sentem estranheza e dificuldades acrescentadas; e, por sua vez, os canhotos quando se encontram frente a frente sentem dificuldades semelhantes às dos “direitos” perante os canhotos. Claro, em situações de permanência de apenas um canhoto nas competições, este teria vantagens, Mas, quando estes são vários, a tal “injusta” vantagem desvanece-se. E o que se diz para a esgrima também é assim noutros casos, como o ténis, o ténis de mesa, etc.
Agora, voltando ao nosso tema inicial: Afinal o que estaria mesmo no subconsciente daquela minha colega francesa? Que os esgrimistas canhotos deveriam participar nos Paralímpicos e não nos Olímpicos? Porque não?
Ela lia - numa das revistas que escolheu para a acompanharem na viagem - um artigo sobre um esgrimista francês da missão olímpica de Atenas: um canhoto. Um canhoto, mas os canhotos podem fazer esgrima? - experguntou (se não foi assim que surgiu o tema dos canhotos na esgrima, terá sido de outra maneira; o que interessa focar aqui é a questão da estranheza que foi de forma abrupta lançada para conversa).
Não sei bem como naquele momento se acedia desde fora até mim, que sou canhoto e fui esgrimista assíduo - e sê-lo era quase já não diria uma segunda mas a minha própria natureza! -, ao exresponder com toda a carga do óbvio e de outras coisas mais, mas o certo é a minha interlocutora se ter retractado de imediato, quase afirmando-se pateta, e eu, no retorno, a ver se a desafogava… Mais abaixo os Urais iam vogando para Ocidente, mas já nada se via, tão escura ia a noite. E lá se foi preenchendo a minha insónia subsequente até ao amanhecer - já o avião sobrevoava o estreito de Malaca - com esta do ser canhoto. Foi a questão do quando aprendi a escrever na escola primária - uma escola não Oficial, como se dizia -, onde as reguadas da professora domesticaram os meus instintos esquerdinos, sendo eu obrigado a adoptar a mão direita para tal arte - agora, com o computador posso actuar como ambidextro; foi a minha zaranzice quando do desenho de letras normalizadas no Instituto Superior Técnico - ora usava uma mão ora a outra -, não me entendi e acabei por reprovar - mais um ano a desenhar letras; foi ainda, na escola secundária (no Colégio Militar) a minha inabilidade nas aulas curriculares de esgrima, dadas em conjunto para a mão direita.
Quanto a este último caso, ao participar no campeonato de florete do Colégio - uma das três armas da esgrima (a da aprendizagem), as outras duas são a espada (a arma dos duelos) e o sabre (a arma da Cavalaria) -, dada a minha desvantagem, resolvi, sem pedir ao “mestre de armas” equipar-me e jogar à canhota, o que me valeu um grande raspanete deste quando se apercebeu da minha ousadia e, com toda a naturalidade, o ter de disputar o campeonato com a mão direita e, por isso, ser castigado por ter nascido com tal anomalia esquerdina.
(Des)Vantagens
Na verdade, a sabedoria corrente diz que, na esgrima, os “direitos” se encontram em desvantagem [injusta (infere-se)] em relação aos “canhotos” ou “esquerdinos”. Apontam-se explicações diversas, desde umas consideradas mais científicas a outras mais especulativas ou, ainda, outras relativas às experiências dos próprios praticantes.
De entre as primeiras, as científicas, destaca-se uma explicação recente que diz não ser necessário para o caso do “canhoto”, ao contrário do que acontece com os “normais”, haver transmissão entre os dois hemisférios cerebrais - tudo ocorreria apenas no hemisfério direito, sendo mais curto de alguns milésimos de segundo o tempo das suas respostas em relação aos “normais”. A mim parece-me especiosa esta explicação: milésimos de segundo que “nada” significam em comparação com outras diferenças. Mais aceitável parece-me a explicação de quem é praticante: Como os canhotos são em menor número, estes estão muito habituados a encontrar os seus adversários habituais, os “direitos”, enquanto os “direitos” quando encontram canhotos sentem estranheza e dificuldades acrescentadas; e, por sua vez, os canhotos quando se encontram frente a frente sentem dificuldades semelhantes às dos “direitos” perante os canhotos. Claro, em situações de permanência de apenas um canhoto nas competições, este teria vantagens, Mas, quando estes são vários, a tal “injusta” vantagem desvanece-se. E o que se diz para a esgrima também é assim noutros casos, como o ténis, o ténis de mesa, etc.
Agora, voltando ao nosso tema inicial: Afinal o que estaria mesmo no subconsciente daquela minha colega francesa? Que os esgrimistas canhotos deveriam participar nos Paralímpicos e não nos Olímpicos? Porque não?